domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tutancâmon - malária e incesto

O faraó-menino, subiu ao trono com apenas 10 anos e morreu aos 19 anos. Seu reinado foi entre 1333 e 1324 aC. O mundo ficou deslumbrado quando em 1922, encontraram sua câmara mortuária intacta. Junto com sua múmia foram encontrados objetos para ajudar o faraó a atravessar a eternidade: joias, mobiliários, armas, textos religiosos e outros itens de valor inestimável para entender melhor o Egito de 3300 anos atrás.

Um estudo conduzido por pesquisadores do Egito, Itália e Alemanha, esclarece vários mistérios relacionados à vida de Tutancâmon. A pesquisa traz uma série de surpresas. A equipe analisou a múmia e as 10 de outros membros da família real encontrado no Vale dos Reis, colhidas amostras de DNA e realizados exames de tomografia dos corpos mumificados:

  • os exames revelaram que ele não foi assassinado e sim foi vítima do parasita Plasmodium falciparum – responsável pela malária tropical, a forma mais letal e virulenta da doença
  • sofreu uma fratura no fêmur direito, próximo ao joelho, dias antes de sua morte, o que causou uma infecção para piorar seu estado de saúde e não resistir à malária
  • seus pais eram irmãos, e provavelmente tenha se casado com uma irmã ou meia-irmã. A fragilidade do faraó talvez tenha sido uma consequência da união consanguínea de seus pais e de outros antepassados
Não se sabia ao certo quem foi o pai de Tutancâmon. A análise de DNA e das outras múmias permitiu aos pesquisadores traçar a genealogia de 5 gerações da 18ª dinastia do Antigo Egito e descobriu-se que o pai do faraó foi Akhenaton. Mas Nefertiti sua esposa principal não foi a mãe de Tutancâmon.

O novo estudo explica por que Tutancâmon tinha uma série de más formações, como:
  1. Fenda palatina – a má formação do palato, devia causar dificuldades na fala, era congênita e herdada do pai.
  2. Perfuração no crânio – ocorreu durante a mumificação e não como se supunha, em uma tentativa de assassinato.
  3. Malária – o faraó e 3 de seus parentes estavam infectados pelo parasita responsável pela forma mais virulenta da doença.
  4. Doença de Kohler-Freiberg – a enfermidade, que impedia o fluxo normal de sangue no pé, provocou necrose no osso metatarso.
  5. Pé esquerdo torto – a deformação o impedia de caminhar normalmente. Na sua tumba, foram encontradas 130 bengalas.

* O estudo foi divulgado pelo Journal of the American Medical Association


Fonte: revista Veja - edição 2153 - ano 43 - nº 8 - 24 fevereiro 2010

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Mulheres de negócios



Em Gizé, as moradas eternas, estão cheias de informações apaixonantes e revelam muitas personalidades femininas de primeiro plano.




Empresária
A dama Hemet-Ra era uma verdadeira empresária. Tinha a seu serviço um intendente e vários escribas. Mas não possuía empregados. As cenas do seu túmulo, destinadas a perpetuar a sua existência no outro mundo, celebram a autoridade dessa princesa, que distribuía as suas diretivas a vários funcionários e que provavelmente geria todo um setor administrativo.


Especialista em finanças
A dama Tchat, "a jovem" vivia no Médio Império, durante a 12ª dinastia, na magnífica região de Beni Hassan, no Médio Egito. Nessa época, os chefes das províncias eram ricos proprietários rurais e ocupavam uma importante posição no reino. Trabalhava como funcionária na casa do governador local. Estimada e influente, possuía o título de "tesoureira e guardiã dos bens do seu amo"; ministra das finanças de um governo local. Era confidente de seu patrão, e talvez tenha sido até mais, talvez se casaram depois que a mulher dele morreu, e que Tchat lhe deu dois filhos. Foi certamente uma das gloriosas antepassadas das mulheres dedicadas à gestão das finanças públicas e capazes de assegurar a prosperidade de uma região.


Proprietária rural
No Antigo Egito, são mulheres belas que simbolizam os domínios agrícolas; aparecem nas paredes dos templo e dos túmulos, em procissão, trazendo suas riquezas aos deuses ou ao ka do defunto. A partir da 3ª dinastia, reconheceu-se a aptidão jurídica da mulher para possuir uma grande superfície agrária, e essa disposição legal perdurou durante todo o regime faraônico. Nenuphar, vivia no Novo Império, foi uma mulher de negócios muito ativa. Estava à frente de uma importante exploração agrícola e era também a patroa de uma equipe de representantes do comércio, encarregados de vender os produtos das suas explorações. Qualquer mulher podia encarregar-se de uma propriedade familiar, sem nenhuma diferença de tratamento social ou jurídico em relação a um proprietário do sexo masculino. A mulher podia comprar, vender e dispor dos seus bens como entender. Existem vários tipos de mulheres proprietárias de terras.


Última mulher de negócios independente
De origem grega Apolônia vivia em Pathyris, 30 km ao sul de Tebas, no século II aC. Filha de um soldado, possuía também um nome egípcio, Sen-Montu, "a irmã de Montu (deus-falcão e guerreiro de Tebas)". Seus avós, seus pais e outros familiares possuíam igualmente nomes gregos e egípcios; vindos de Cirene, instalaram-se no Egito, adotando o modo de vida local. Aos 20 anos, desposou Dríton, viúvo, oficial de cavalaria e pai de um filho, ela lhe deu 5 filhas. Embora reinasse no Egito soberanos gregos, os Ptolomeus, as egípcias gozavam ainda dos direitos reconhecidos e aplicados nos textos dos faraós nativos. Os gregos opunham-se inteiramente às liberdades que o antigo Direito egípcio concedia às mulheres (autonomia jurídica e capacidade de gestão das suas terras). Nenhum rei grego ousara ainda modificar a legislação vigente há tantos séculos. Baseando-se no Direito egípcio, Apolônia, arrendou as suas terras, emprestou dinheiro e trigo a um veterano e continuou a subsistir às custas dos negócios. No reinado de Ptolomeu IV Filopátor (221-205 aC) começou a reforma dos gregos: a mulher considerada um ser infantil e irresponsável, deveria ter um tutor, guardião legal da esposa, que lhe assinaria todos os atos jurídicos. No final do século II aC as egípcias perderam de vez a independência e a autonomia.

Origem: 'As Egípcias' de Christian Jacq

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Touro Ápis




O mais venerado e mais célebre dos animais sagrados é, sem dúvida, o touro Ápis (Hep em egípcio). Os antigos egípcios o consideravam como a expressão mais completa da divindade sob a forma animal. Era sempre representado na forma animal e nunca na forma humana com cabeça animal. Ele encarnava, ao mesmo tempo, os deuses Osíris e Ptah. O culto do touro Ápis, em Mênfis, existia desde a I dinastia pelo menos. Também em Heliópolis e Hermópolis este animal era venerado desde tempos remotos.







– Antiga divindade agrária, simbolizava a força vital da natureza e sua força geradora. Dizia a lenda:
Ptah, sob a aparência de fogo celeste, engravidou uma vaca virgem que concebeu um touro preto, o qual se tornou o porta-voz ou o duplo de Ptah. Esse touro negro sagrado de Mênfis deveria ter certos sinais ou manchas – na fronte, uma mancha branca quadrada; no dorso, a figura de um abutre ou de uma águia; sob a língua, um nó em forma de escaravelho; os pêlos da cauda numa mescla de branco e preto; e um crescente branco sobre o lado direito do corpo. Encontrado um bezerro com tais características pelos sacerdotes especiais chamados os Bastões de Ápis, o animal era conduzido a Mênfis em uma barca dourada e em grande pompa, depois de ter sido nutrido unicamente por mulheres durante 40 dias. Uma vez entronizado cerimoniosamente, vivia no seu santuário, ao lado do deus Ptah, a mais importante divindade menfita, da qual era tido como o arauto, a imagem viva. Sua mãe, um animal também reverenciado, era sua esposa legítima, mas tinha também vacas concubinas cuidadosamente escolhidas.

Distribuía oráculos, recebia oferendas, participava de procissões. Um festival dedicado ao deus se estendia por sete dias. O povo se reunia em Mênfis para ver os sacerdotes conduzirem o animal sagrado numa procissão de louvor. Enquanto vivia era alimentado com iguarias e honras. A partir do Período Saíta, iniciado em 664 aC, os oráculos alcançaram grande popularidade. Um dos mais procurados era justamente o do touro Ápis, em Mênfis. Além de se acreditar que qualquer criança que aspirasse a respiração do animal seria capaz de predizer o futuro, também se interrogava o próprio touro. O indivíduo que consultava o oráculo postava-se diante do animal e fazia a sua pergunta. A resposta do deus que o animal encarnava podia vir de várias maneiras. Por exemplo, o bovino podia aceitar ou não a comida que lhe ofereciam; podia, entrar ou não em uma determinada sala e cada uma de tais atitudes seria um agouro bom ou mau, conforme estabelecido anteriormente pelos sacerdotes.

Ao morrer, era mumificado, fechado num sarcófago, submetido a ritos funerários que se estendiam por 60 dias, tomava lugar numa tumba, ao lado de seus predecessores, era enterrado como se fosse um príncipe.

O túmulo mais antigo dessa divindade encontrado intacto é do reinado do faraó Horemheb (c. 1319 a 1307 aC), sendo a múmia bastante atípica. Era constituída apenas pela cabeça do touro, desprovida de carne e de pele, apoiada num grande bloco negro. Ao ser examinado, esse bloco mostrou ser um aglomerado de resina, ossos bovinos quebrados e fragmentos de folhas de ouro, tudo envolto em bandagens de fino linho. Os vasos canopos do touro estavam cheios de um material resinoso de origem não determinada. Escavando sob o piso da câmara mortuária, os arqueólogos encontraram uma dúzia de grandes vasos de barro não cozido contendo cinzas e ossos queimados. Como outros conjuntos similares de vasos também foram encontrados em outras tumbas do boi Ápis, alguns estudiosos afirmam que, pelo menos durante o Império Novo (c. 1550 a 1070 aC), o corpo do animal era cozido e comido pelo faraó e sacerdotes antes do enterro. Haveria, talvez, uma conexão entre essa descoberta e o assim chamado Hino Canibal do Texto das Pirâmides, que se refere ao fato do rei devorar os deuses para assimilar seus poderes. Seja essa hipótese correta ou não, nenhum outro animal sagrado parece ter sido devorado por seus antigos guardiães. Os touros Ápis subsequêntes foram mumificados inteiros e um papiro da XXVI dinastia descreve o método usado para isso.

Até a XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 aC) cada um desses touros sagrados tinha sua sepultura particular. Foi Ramsés II (c. 1290 a 1224 aC), faraó já da XIX dinastia, quem mandou sepultá-los em uma câmara mortuária comum, conhecida como Serapeum, nome derivado da palavra grega Serápis, uma catacumba precedida por uma avenida de esfinges.

Estrabão, um geógrafo grego, deixou em sua obra indicações precisas sobre a localização desse estranho cemitério e baseado em tais informações foi possível encontrar, na necrópole de Saqqara, numerosas múmias de touros sagrados.


A câmara mortuária estava cavada depois de um corredor que penetrava 400 m no rochedo. Em nichos, os touros repousavam em magníficos sarcófagos de granito escuro ou de quartzo amarelo e vermelho, os quais medem 4 m de altura e pesam entre 60 e 80 toneladas. Um total de 24 sarcófagos dessa natureza foram encontrados nessas câmaras laterais que se abrem para o corredor principal cavado na rocha. Havia duas galerias abrigando os animais:



  1. a primeira, com comprimento de 68 m, foi mandada construir por Ramsés II;
  2. a segunda, com 198 m de comprimento, foi construída durante a XXVI dinastia (664 a 525 aC), em ângulo reto com a primeira.
O primeiro touro enterrado nessa segunda galeria morreu no ano 52 do reinado de Psamético I (664 a 610 aC) e o local continuou a ser utilizado até o período greco-romano. O culto do boi Ápis sobreviveu até que o imperador Honório o baniu e causou a destruição do Serapeum no ano 398. Como só havia um destes animais de cada vez, calcula-se que de 14 em 14 anos, aproximadamente, acontecia o funeral de um touro Ápis. Nenhuma múmia foi encontrada intacta. Escavações realizadas em 1964 trouxeram à luz galerias de vacas mumificadas, denominadas mães de Ápis, bem como de falcões, íbis e babuínos.

– O autor da descoberta do Serapeum, realizada em 1851, foi o pesquisador francês Mariette, que ao encontrar um desses túmulos escreveu:

Fiquei profundamente impressionado quando penetrei na sepultura do touro Ápis, que nenhum ser humano frequentara desde milênios... Mas que sorte! no fim de alguns dias, descobri um nicho murado que escapara às pesquisas dos pilhantes. Ramsés II fê-la murar, em 1270 aC, conforme explica a inscrição. A marca dos dedos do egípcio que pôs a última pedra do muro se vê ainda, nitidamente, sobre a cal, assim como a de seus pés sobre um rastro de areia esquecida. Nada faltava nesse retiro fúnebre onde um touro embalsamado repousava desde 4.700 anos.

Quando Ptolomeu I (304 a 284 aC) assumiu o controle do Egito, criou uma nova divindade, numa tentativa de unificar os gregos e os egípcios pelo estabelecimento de um deus que fosse familiar às duas culturas. Essa nova divindade foi chamada de Serápis (Osíris-Ápis) e combinava características dos deuses gregos Zeus, Asclépio e Dionísio com as do deus egípcio Osíris e as do culto do sagrado touro Ápis. Sua aparência era grega:
  • um homem barbado e de cabelos encaracolados, usando algo semelhante a um moderno vaso de flores na cabeça.
Mas também tinha algumas das características do touro Ápis e um nome egípcio. Era encarado pelos egípcios como um deus da fertilidade e do mundo subterrâneo e tolerado por eles, mas não verdadeiramente aceito. Nessa época, embora em vida o touro fosse considerado uma encarnação de Ptah e as efígies de Ápis continuassem a trazer o disco solar entre os chifres, após a morte o animal era comparado a Osíris (sua veste negra lembrava a cor do deus) e adorado sob o novo nome e aspecto, tendo se tornado o deus nacional do Egito durante o Período Ptolomaico (304 a 30 aC).


Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

Comentários