quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A enigmática Meresankh

Os nomes de Quéops, Quéfren e Miquerinos celebrizam-se graças as suas 3 pirâmides erigidas no Planalto de Gizé. A 4ª dinastia viu nascer esses gigantes de pedra, verdadeiros centros de energia espiritual, raios de luz petrificados que permitiam à alma real ascender aos céus para se juntar às divindades e guiar os humanos sob a forma de estrela.


Os baixos-relevos das sepulturas dessa época mostram um Egito próspero, cuja riqueza se baseia numa administração rigorosa e eficaz, numa agricultura diversificada, numa criação desenvolvida e num artesanato de excepcional qualidade.


Entre as altas personalidades da corte, haviam 3 mulheres com o mesmo nome – Meresankh – que parecem formar uma linhagem. Tradução do nome: "Ela ama a vida" ou "A Viva (uma deusa, provavelmente Hathor) ama-a". Seja qual for a solução, o relacionamento direto de uma linhagem feminina com o conceito essencial de "vida" sublinha uma vez mais o papel preeminente da mulher na civilização do Antigo Egito.

Não sabemos nada a cerca da primeira Meresankh, foi talvez a mãe do faraó Snefru, fundador da 4ª dinastia. A segunda Meresankh parece ter sido filha de Quéops. A terceira reserva uma surpresa.


  • Dez mulheres para uma morada eterna
Numa das "ruas de sepulturas" do Planalto de Gizé, a leste da pirâmide de Quéops, abre-se a estreita porta de uma bela e grande morada eterna escavada na rocha para Meresankh III. A sepultura fora preparada por uma rainha de nome Hetep-Herés, como mãe de Quéops, mas que não se deve confundir com ela – existe uma dificuldade, quase uma impossibilidade, em se estabelecer as genealogias egípcias. Hetep-Herés era a filha de Quéops, pois tinha o nome da mãe e era muito dedicada a sua filha Meresankh, a terceira com o mesmo nome e certamente a esposa de Quéfren.

Ao entrar no túmulo dessa 3ª Meresankh, uma visão única, um conjunto esculpido, que tanto quanto sabemos, só existe nessa morada eterna. Brotando da pedra, uma confraria formada por 10 mulheres(*) de pé, de idades compreendidas entre adolescentes e a mulher madura. Temos a impressão que estão vivas, que seus olhos nos contemplam e que continuam a proferir as frases rituais indispensáveis ao bom andamento do mundo. Intimamente ligadas à rocha, essas estátuas foram animadas por magia e contêm ainda o ka, o poder imortal que faz delas estátuas da Luz.

Como Meresankh tinha acesso à morada da acácia, podemos supor que está representada na companhia das "irmãs" da confraria, e que a transmissão se faz da mais antiga à mais nova, passando por etapas. Duas delas abraçam-se: a mais velha pousa o braço pela cintura da sua iniciadora. Um profundo sentimento de comunhão desprende-se desse grupo de 10 mulheres unidas para sempre pelos laços de uma mesma experiência de eternidade; contemplando-as no silêncio da capela, compreendendo a verdadeira dimensão das egípcias.

A "mãe", Hetep-Herés, é igualmente representada com a sua "filha" Meresankh em diversos episódios rituais, durante os quais a mais velha ensina a sua sabedoria à mais nova; é assim que as 2 mulheres exploram os pântanos de barco, para colherem flores de lótus. Não se dedicam apenas ao culto das divindades; também preservam o perfume da primeira aurora, quando a vida nasceu da Luz. Durante esse passeio de barco, a mãe revela à filha o segredo do lótus, a partir do qual se desenvolveu a Criação.


  • Meresankh guardiã das escrituras sagradas
Entre os personagens presentes no túmulo figuram escribas. Meresankh possui um título notável: sacerdotisa do deus Thot, criador da linguagem sagrada e senhor das "palavras de deus", os hieróglifos. Diretamente relacionada com o deus do conhecimento. Isso prova que Meresankh tinha acesso à ciência sagrada e aos arquivos dos templos, denominados "a manifestação da luz divina (bau Ra)". É também uma deusa, Sechat, que rege a Casa da Vida onde se compunham os rituais e onde os faraós eram iniciados nos segredos da sua função. Guardiã das bibliotecas e dos textos fundamentais, ela maneja perfeitamente o pincel, que utiliza tanto para escrever as palavras da vida como para praticar a requintada arte da maquilagem. Vestida com uma pele de pantera, a cabeça coroada por uma estrela de sete pontas (as vezes 5 ou 9), é Sechat quem redige os Anais régios e inscreve os nomes do faraó nas folhas da árvore sagrada de Heliópolis. Dessa deusa detentora dos segredos de construção do templo, que partilha com o rei, depende o secretariado do palácio. No templo de Sethi I, em Abidos, Sechat, "encarregada dos arquivos dos rolos divino", escreve o destino do faraó e diz:
Minha mão escreve o seu longo tempo de vida, a saber: do que sai da boca da luz divina (Ra), o meu pincel traça a eternidade, a minha tinta, o tempo, o meu tinteiro, as inúmeras festas de regeneração.

Meresankh, iniciada nos mistérios de Thot e no conhecimento das escrituras rituais, foi instruída em toda a ciência sagrada do Antigo Egito; mais de 3000 anos após o seu desaparecimento, podemos encontrá-la na companhia de sua "mãe" e de suas "irmãs", numa das mais surpreendentes sepulturas de Gizé. Essa misteriosa e fascinante Meresankh permite descobrir que o universo do conhecimento estava inteiramente aberto à mulher egípcia.

___________________________
(*) Dois grupos distintos: o primeiro formado por três mulheres (encabeçadas pela superior) e o segundo por sete, quatro adultas e três mais jovens, por ordem decrescente de estaturas.
___________________

Origem: 'As Egípcias' de Christian Jacq

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

Comentários