segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Estudiosos de Napoleão


Vinte volumes de textos, 1000 pranchas admiráveis, foi o que restou de mais concreto e positivo da Expedição Francesa comandada por Napoleão Bonaparte. Obra prima editorial, Description de l'Egypte imortalizou a impressionante aventura vivida por cerca de 160 civis, "estudiosos" e artistas que acompanharam o Exército do Oriente de julho de 1798 a setembro de 1801.

O empreendimento de Napoleão foi, antes de mais nada, uma expedição militar, destinada a tomar o Egito dos ingleses. Poucos anos depois da Revolução, a França, que se arvorava em defensora dos direitos humanos, não se podia permitir empreender uma operação colonial pura e simples:


  • tratava-se de uma expedição "civilizatória", não para ocupar o Egito, mas para "libertar os egípcios da tirania dos mamelucos" e levar-lhes a "Ilustração". Era também uma expedição científica, para descobrir um país fascinante.
O próprio Napoleão considerava-se um erudito, um estudioso. O general mais glorioso da República fez se eleger no Institut de France para a vaga de Carnot. Nada o deixava mais orgulhoso do que pertencer a essa assembléia de eruditos fundada em 1795 e composta por 5 Academias:
  1. Francesa
  2. Inscrições e Belas Artes
  3. Ciências
  4. Belas Artes
  5. Ciências Morais e Políticas
No Cairo, Napoleão criou o Instituto do Egito inspirado nesse modelo.

Uma nova expedição liderada por Napoleão foi anunciada, e houve uma grande disputa para tomar parte dela. Engenheiros, naturalistas, astrônomos, geógrafos, médicos e artistas candidataram-se e conseguiram incorporar-se ao empreendimento napoleônico. A média de idade era de 25 anos. Napoleão pediu a seus colaboradores que reunissem uma biblioteca de várias centenas de livros, material tipográfico para imprimir em 3 línguas, um laboratório de física, química, observatório, e equipamento completo de aerostação.

Os primeiros passos da terra dos faraós foram difíceis para todos, mas após a vitória das Pirâmides e a entrada de Napoleão no Cairo, a Comissão começou a trabalhar. Criado em 22 de agosto de 1798, o Instituto do Egito ocupou várias casas confortáveis, abandonadas por mamelucos. Compunha-se de 36 membros, divididos em várias áreas:
  • matemática, física, economia política, literatura e belas artes.
O primeiro presidente foi Monge e a vice-presidência coube a Napoleão.

O Egito de 1798 assemelhava-se antes a um país medieval, adormecido há séculos. A tipografia, que permitia a Napoleão imprimir comunicados e panfletos de propaganda em árabe, fascinava os figurões egípcios. Estes nem sempre manifestavam a curiosidade esperada pelos franceses. Ficavam indiferentes às experiências químicas e aerostáticas, por exemplo.

Dois jovens ex-alunos da Escola Politécnica, Prosper Jollois e Edouard Devilliers du Terrage, fizeram pranchas soberbas. Antes deles, os vestígios do Egito Antigo nunca tinham sido produzidos com tamanha precisão. Copiaram centenas de hieróglifos sem compreender seu significado. Depois do fracasso da campanha na Síria, voltaram clandestinamente com Napoleão para o Egito e continuaram seu trabalho. Mediram a pirâmide de Quéops, determiram a localização exata de Mênfis. O projeto de um livro que reunisse todos os estudos realizados no Egito foi lançado oficialmente.

A permanência dos franceses no Egito estava com os dias contados por causa de uma ofensiva militar conjunta, otomana e britânica. O ingleses queriam confiscar todos os objetos e documentos que estavam em poder deles. Geoffroy Saint-Hilaire enfurecido ameaçou então queimar tudo, dizendo aos ingleses que eles seriam responsáveis pelo segundo incêndio de uma Biblioteca de Alexandria. E estes acabaram levando só as peças mais volumosas, entre elas a Pedra de Roseta.

Pouco depois do retorno à França, formou-se uma comissão para preparar, com financiamento do governo, o grande livro no qual seriam publicados todos os estudos feitos na terra dos faraós – Description de l'Egypte. Para execução do projeto, aperfeiçoou-se a fabricação do papel velino e recorreu-se à criatividade de Nicolas Santé, inventor de um tipo de lápis fantástico, como se vira no Vale do Nilo. Aplicou-se também novos métodos na impressão das pranchas.

A obra começou a ser publicada em 1809. Dividida em 3 partes:
  1. Antiguidade
  2. Egito Moderno e
  3. História Natural
Tratava de todos os temas, dos monumentos aos insetos. O mapa do Egito era de tal precisão que Napoleão proibiu provisoriamente sua publicação por questões de segurança.

Os estudiosos e os artistas de Napoleão tomaram os templos por palácios. Sua formação acadêmica impediu-os de adotar sem reservas as linhas egípcias. Mas, sem dúvida, trata-se de uma obra colossal e admirável. Até então nenhum outro país tinha sido objeto de um estudo tão completo e minucioso. A Description pode ser considerada o ato percursor da egiptologia fundada por Champollion alguns anos depois, com a decifração dos hieróglifos.




Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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