sábado, 6 de junho de 2009

Uma apaixonada

O amor é um valor muito importante para ser abandonado aos humanos. Hathor, a soberana de todas as formas de alegria, desde as estrelas até a do prazer físico, vela sobre a misteriosa atração que reúne dois amantes. A deusa dos céus, que derrama sobre  a Terra o irresistível poder do amor, enche bruscamente o coração. Hathor, mãe e filha do Sol, do dia e da noite, do claro e do escuro, é o fogo ardente e a amena doçura que possui todos os rostos da mulher apaixonada*.

O desejo desperta os sentidos. A mulher apaixonada tem o gênio da maquilagem e sabe escolher unguentos e perfumes. Peparou-se demoradamente para o seu primeiro encontro; vem ter com o seu amante com os cabelos perfumados e os braços floridos, assim se assemelhando a Hathor, a maravilhosa deusa que enche as Duas Terras com os mais suaves odores. O apaixonado deseja captar o perfume da sua bem amada, a sutil emanação que encanta a alma.

Seu coração bate mais depressa, já não sabe o que vestir, deixa de pintar os olhos e de se perfumar, perdendo todo o bom senso. Em suma, está apaixonada. O pior é quando não pode ver o amante. Os membros estão pesados, os médicos não conhecem remédio eficaz. 

A minha salvação, é voltar a vê-la, que ela abra os olhos para mim e eis que estou curado. Que ela fale, e recupero todo o meu vigor.

Com uma túnica de linho fino e transparente, coberta de óleos perfumados, a jovem deixa adivinhar a perfeição do seu corpo. Entra lentamente na água, depois se despe e começa a nadar, nua divertindo-se em apanhar um peixe vermelho, que lhe foge por entre os dedos. Vem e olha para mim! recomenda ao seu bem amado. Então enlaça-o com flores de lótus e de papiro. Que bom é passear depois de barco num lago, remando preguiçosamente, incomodando os patos e saboreando frutos maduros! 

Depois de terem confessado o seu desejo mútuo, os apaixonados só têm um desejo: estarem a sós no pântano, onde se caçam as aves, ou, melhor ainda, um jardim deserto. Escondem-se entre os papiros ou à sombra ainda, num jardim deserto. Escondem-se entre os papiros ou à sombra de um sicômoro plantado pela jovem em honra da deusa Hathor à qual havia pedido que lhe fizesse conhecer o amor.

A mulher amada é gratificada pelo seu amante com mil nomes meigos: "gazela", "gatinho", "andorinha", "pomba", ainda usados nas nossas sociedades, ao passo que "meu hipopótamo", "minha hiena", "minha macaca" ou "minha rã" são menos utilizados.

Beijar é estar ébrio sem ter bebido. Acaso existe felicidade mais doce do que o amor partilhado neste jardim onde falam o sicômoro, o tamarindo, a romãzeira e a figueira? Com o coração dilatado, o apaixonado satisfeito pode murmurar o canto de amor que as beldades do Egito ouviram encantadas:

Tú és a única, a bem amada, a sem igual, a mais bela do mundo, semelhante à estrela brilhante do ano novo, às portas de um bom ano, aquela cuja graça resplandece, cuja pele brilha, de claro olhar, doces lábios, longo pescoço, cabeleira de lápis-lazúli, dedos semelhantes a cálices de lótus, de ancas estreitas, de nobre andar.

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* No Novo Império foram compostos "cantos de amor", de onde foi retirado este trecho da mulher apaixonada.
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Origem: 'As Egípcias' de Christian Jacq

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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