terça-feira, 10 de agosto de 2010

Burro

Desde os tempos mais remotos, esse companheiro de olhos tristes presta serviços inestimáveis. Consegue arrastar-se sob o peso excessivo de uma carga. Ou então galopa sem esforço ao levar o menino que o monta sem sela. Na maioria das vezes, avança num passo tranquilo e regular, estóico operário à imagem da vida camponesa do Vale do Nilo.

Segundo uma estatística impossível de verificar, o Egito teria uma população de 6 milhões de burricos. Um para cada dez habitantes, o que seria provavelmente um recorde mundial. O burro do Delta é negro e robusto, já o do Alto Egito, branco ou grisalho, mais esguio, podendo atingir 1,20 m de altura.

Os coices muitas vezes se destinam ao enxame de moscas a atormentá-lo. E os zurros desesperados, aqueles inconfundíveis ih-ham, expressam menos tristeza ou revolta do que uma fome legítima após horas de trabalho ininterrupto. Um punhado de bersim (a alfafa local), e ele já está de volta a lida. Na época do cio, segundo dizem, os gemidos libidinosos podem estender-se por dez, até mesmo 15 km.

O burro selvagem já existia no Vale do Nilo desde o Paleolítico. Já o burro doméstico apareceu por volta de 3.600 aC. Raramente era montado. Servia para transportar os mais diversos produtos e realizar tarefas mais tarde transferidas para os camelos. Sua grande utilidade não impede que o considerem impuro, quando não mau, sobretudo se tiver o pelo ruivo. Por ser identificado com o deus Seth, o assassino de Osíris, não hesitam em sacrificá-lo para esconjurar o mal. Em certos hieróglifos da Baixa Época, esse animal infeliz só é representado com uma faca cravada no corpo.

Seu momento de glória é a viagem da Sagrada Família ao Egito. Diz a lenda que os descendentes do burro que teve o privilégio de levar Jesus possuem uma cruz no dorso.

Até a invenção da bicicleta e do automóvel, o burro constituía o principal meio de transporte dos egípcios. Não era só o "cavalo do pobre", como o apelidam no Ocidente: elegantes efêndis e volumosos figurões o montam de bom grado em selas decoradas.

Sempre presente nos contos e nos romances, o burro é o Rocinante de Goha, o Dom Quixote do florilégio egípcio. A vida real propicia-lhe às vezes a oportunidade de realizar feitos inesperados: em 1999, ao prender o casco numa fenda, um burrico acabou revelando a existência de uma necrópole greco-romana no oásis de Bahareya.

Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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