quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Canal de Suez

No começo do século XIX, todos tinham o projeto em mente – ligar o Mar Vermelho ao Mediterrâneo.

Ao ocupar o Egito em 1798, Napoleão Bonaparte foi o primeiro a estudar a escavação de um canal. Como trabalhavam em condições difíceis, com material reduzido, seus engenheiros chegaram a uma conclusão equivocada: o Mar Vermelho, calcularam, é de 10 m mais alto que o Mediterrâneo; só um canal com represa o impediria de inundar o Egito. Mas o conquistador não teria tempo de levar a cabo o empreendimento.

Depois que Said paxá chegou ao poder, em 1854, Ferdinand de Lesseps embarcou para o Egito, onde 20 anos antes, tinha sido cônsul da França. O novo vice-rei considerava-o um amigo. Lesseps defendia a construção de um canal direto, sem represamento, porque naquele momento, já fora constatado que os dois mares (como todos os mares) estavam no mesmo nível.

A ideia seduziu Said, que o permitiria que começasse seu reinado com uma obra faraônica. Um curso de água de 160 km em pleno deserto. Assim dois homens decidiram sozinhos modificar o mapa do mundo.

Tecnicamente, disseram em Londres, o canal é inviável, por causa da dificuldade de navegação nas duas entradas cogitadas, pelo Mar Vermelho e pelo Mediterrâneo. Ainda que fosse construído, sua existência seria ameaçada pelos depósitos de areia, e quantias enormes teriam de ser destinadas a sua manutenção. Sem ser rentável, a obra não passaria de uma operação política contra a Inglaterra, para arrebatar-lhe o caminho das Índias e fazer do Egito uma colônia francesa.

Said paxá e Lesseps resolveram ignorar os obstáculos políticos, apesar do receio de Napoleão III, que temia a reação britânica. Criar um porto no Mediterrâneo, numa zona árida e varrida por ventos, requeria boa dose de audácia e determinação. A escavação do canal exigia mão-de-obra abundante. Recorreram a corvéia (praticada no Egito havia séculos – a mobilização forçada de milhares de camponeses, arrancados de suas terras para realizar trabalhos de interesse público). Adultos ou crianças, os operários do canal serão mais bem tratados que em outros canteiros de obras. Isso não impediria o início de uma acirrada polêmica que resultaria, em 1864, cinco anos após o início da obra, na supressão da corvéia. Tiveram então de trazer operários estrangeiros, recrutados em diversos países mediterrâneos, e utilizar máquinas especialmente concebidas para a circunstância.

A inauguração do canal, em 17 de novembro de 1869, na presença da imperatriz Eugênia e de mil convidados de vários países, foi um acontecimento mundial. A Grã-Bretanha seria a maior usuária dessa via, até se tornar a maior acionista da companhia ao comprar, em 1875, as ações do vice-rei do Egito. A mesma lógica, de controlar o caminho das Índias, levaria os ingleses a ocupar o Egito sete anos depois e lá permanecer por muito tempo. Os estatutos da companhia, proibiam a um acionista, por maior que fosse, ter maioria no conselho administrativo. Este ficaria sob controle francês. Após um começo difícil, o Canal conquistou um número crescente de clientes. Os pequenos acionistas ficaram satisfeitíssimos, além de aliviados. "Suez" símbolo do capitalismo triunfante, passou a ser um pilar do patrimônio familiar – possuir ações suas significava casar bem os filhos.

O canal era um empreendimento pacífico, destinado a estimular o desenvolvimento do comércio internacional. Durante as duas guerras mundiais, mostrou-se uma peça estratégica fundamental. E quando Nasser decidiu nacionalizar a companhia, em julho de 1956, para responder a afronta dos Estados Unidos, que n ão queriam mais financiar a barragem de Assuã, o Egito viu desembarcarem em seu território forças britânicas, francesas e israelenses.

Em duas outras ocasiões, durante os conflitos entre árabes e israelenses em 1967 e 1973, o istmo de Suez iria converter-se num campo de batalha e seu canal seria fechado à circulação. Uma profecia feita por Renan ao receber Lesseps na Academia Francesa:
Um só Bósforo bastou até hoje aos conflitos no mundo; o senhor criou um segundo, bem mais importante que o outro, já que, além de estabelecer a comunicação de duas partes de um mar interno, serve como acesso a todos os grandes mares do mundo... O senhor determinou o lugar das grandes batalhas do futuro.
Reaberto em junho de 1975, o canal voltou a ser uma via de navegação pacífica, na qual se avistam bandeiras de todos os países. Atravessado por um túnel e uma ponte, foi alargado e aprofundado 12 vezes no total, a fim de que pudesse comportar navios cada vez maiores, especialmente os superpetroleiros. Representa uma fonte de divisas essencial para o Egito. O futuro do canal dependerá de como evoluirão os meios de transporte e o consumo de energia ao longo do terceiro milênio.


Fonte: 'Egito um olhar amoroso' de Robert Solé

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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