segunda-feira, 13 de abril de 2009

Felá

Camponês descalço e com ar tão tranquilo. Sobreviveu durante seis mil anos a todos os invasores, a todas as injustiças, a todas as humilhações, ligado à terra negra do Vale do Nilo, quase parte dela, encarna a permanência e a estabilidade.
Até o começo da década de 1970, o tempo nas áreas rurais do Egito parecia suspenso. Lá encontrávamos os mesmos gestos, as mesmas ferramentas, os mesmos comportamentos e superstições da época faraônica. As casas de terra seca lembravam mais peças de cerâmica que construções. A aldeia confundia-se com a paisagem e com os próprios elementos naturais. 
– Assim anotou Emil Ludwig em seu livro em 1936 sobre uma aldeia egípcia:

A algazarra reinante neste espaço restrito, os ruídos agudos e intensos dos homens e dos animais, sem rangidos de máquinas, o cheiro adocicado do esterco seco por toda parte, tudo isso dá ao viajante a impressão de uma vida orgânica, animal, instintiva. Ouvimos a aldeia egípcia, sentimos seu cheiro e seu gosto antes mesmo de entrar nela.

Descreviam o felá por alguns traços imutáveis, quase caricatos. Era um trabalhador zeloso, um ser paciente e pacífico, mas desprovido de imaginação e iniciativa, que repetia gestos seculares sem nada questionar. Uma criatura submissa, um fatalista, totalmente passivo em relação ao futuro, apenas capaz de viver no presente. Uma criança grande. Os mais lúcidos assinalavam o papel do felá ao longo da história de um país com vocação agrícola. "O Egito é um dom do Nilo tanto quanto do felá", escreveu padre Henry Ayrout em 1940. Na época, 3/4 dos egípcios ainda pertenciam ao mundo rural.

O quadro se modificou em algumas décadas. A reforma agrária da década de 50 permitiu ao felá arrendar terras a um preço módico estabelecido pelo Estado. Mas a mecanização, a industrialização e a urbanização já ameaçavam esse equilíbrio milenar. Viver numa aldeia hoje às vezes é viver numa aglomeração de vinte mil habitantes. O barro seco deu lugar ao asfalto, as novas casas foram ligadas à rede elétrica e têm televisão. Isso porém, está longe de generalizar-se. Burros e búfalas ainda dividem com seus donos cômodos escuros e vazios, com chão de terra batida. Muitas aldeias continuam sem receber água potável. As mulheres ainda lavam a roupa e a louça no Nilo ou em canais duvidosos.

Em outros tempos, o felá teria aceitado tudo, baixado a cabeça e ficado à espera de dias melhores, conforme aconselha um provérbio rural:
"A paciência demole montanhas". 
Hoje, em face das dificuldades, é mais provável os jovens darem as costas à terra para ir tentar a sorte na cidade. Como no resto do mundo. O campo egípcio também sofre os efeitos da globalização. 
Por Robert Solé

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Egito

Duas grandes forças: o rio Nilo e o deserto do Saara, configuraram uma das civilizações mais duradoras do mundo. Todos os anos o rio inundava suas margens e depositava uma camada de terra fértil em sua planície aluvial. Os egípcios chamavam a região de Kemet, "terra negra". Esse ciclo fazia prosperar as plantações, abarrotava os celeiros reais e sustentava uma teocracia – encabeçada por um rei de ascendência divina, ou faraó – cujos conceitos básicos se mantiveram inalterados por mais de 3 mil anos. O deserto, por sua vez, atuava como barreira natural, protegendo o Egito das invasões de exércitos e idéias que alteraram  profundamente outras sociedades antigas. O clima seco preservou artefatos como o Grande Papiro Harris, revelando detalhes de uma cultura que ainda hoje suscita admiração.

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